Um Tiro Certeiro do Sepultura: Como “Beneath the Remains” Mudou Tudo

You only get so many shots in this life – and you gotta make it count.”
Você só tem algumas chances na sua vida – e você precisa fazer valer

Max Cavalera sabia exatamente disso em 1988. Na época, o Sepultura era uma promessa barulhenta do metal extremo com dois álbuns na bagagem e quase nenhuma visibilidade fora do Brasil. Mas o vocalista e guitarrista fundador não estava disposto a deixar o sonho morrer em Belo Horizonte. Com uma determinação implacável, Max usou suas conexões na cena de tape trading (trocas de fita cassete), chamou favores e arranjou uma passagem para Nova York. O objetivo era claro: mostrar a força do Sepultura aos olhos da indústria gringa.


A aposta deu certo. Monte Connor, da Roadrunner Records, viu algo ali — e ofereceu um contrato à banda. O futuro estava em jogo. E Max sabia: aquele seria o álbum da virada ou o fim da linha.

“A gente sabia no coração que era nossa chance — ou a gente fazia um disco foda, ou era o fim. Precisávamos subir o nível na música. E conseguimos.”

O resultado foi Beneath the Remains (1989), um petardo de nove faixas carregadas de fúria crua e trash metal visceral que alavancou o Sepultura no cenário internacional. Mas além da música, foi ali que a banda também deu um salto estético — graças à arte de capa criada por ninguém menos que Michael Whelan, renomado ilustrador de ficção científica e fantasia.

Lovecraft, Skull e o “Pesadelo em Vermelho”

Max conheceu o trabalho de Whelan em um livro de H.P. Lovecraft no Brasil. Fascinado pelas imagens sombrias, sugeriu à Roadrunner que tentassem contatar o artista. Monte Connor o fez, e Whelan respondeu enviando várias obras para possível uso.


Curiosamente, a primeira escolha de Max — uma pintura de Whelan que adornava a capa de Bloodcurdling Tales of Horror and the Macabre — foi vetada pela gravadora e acabou sendo usada por outra banda: o Obituary, no clássico Cause of Death (1990). A opção final para o Sepultura foi uma imagem chamada “Nightmare in Red”, uma pintura perturbadora de um crânio surreal em tons de vermelho e preto.

“No fim, a capa do Nightmare in Red combinava mais com o disco”, reconheceu Max.

Arte em canvas intitulada “Nigthmare in red” que foi usada para o disco Beneath the Remains

Whelan, por sua vez, ficou impactado pela música da banda assim que a ouviu. “A energia e a intensidade me acordaram. Me identifiquei com o sentimento de revolta que eles transmitiam”, lembra ele. Mesmo não sendo fã do estilo vocal, entendeu que algumas emoções só podem ser expressas aos berros.

O Significado Sombrio por Trás da Arte

O que poucos sabiam é que “Nightmare in Red” nasceu num dos momentos mais sombrios da vida de Whelan. Pouco antes de pintar a obra, ele havia perdido a mãe para o câncer, viu John Lennon ser assassinado e dois amigos morrerem num acidente.

“Quando fechava os olhos, tudo que eu via era uma forma vermelha flutuando no escuro. Isso representava meu estado mental na época. Pintar foi uma forma de lidar com aquilo tudo.”


A obra começou como um experimento com pastel vermelho sobre papel escuro, mas Whelan rapidamente precisou recorrer ao acrílico para alcançar o contraste intenso que desejava. O resultado foi uma imagem catártica — tanto para ele quanto para os fãs que, décadas depois, ainda a consideram uma das capas mais icônicas do metal dos anos 80.

O Começo de Uma Parceria Lendária

A colaboração com o Sepultura não parou por aí. Whelan se tornaria o responsável pelas artes de Arise e Roots. E embora todos esses discos tenham conquistado o status de clássico, Beneath the Remains tem um lugar especial no coração do artista:

“Foi meu favorito. Usei técnicas experimentais que nunca mais repeti. E veio num momento perfeito da minha vida — um desabafo contra figuras autoritárias e tudo que me causava angústia.”


Por outro lado, Whelan lamenta o resultado final de Roots. Apesar de amar a música, diz que o processo de criação digital foi uma dor de cabeça — com computadores quebrando e deslocamentos diários até o estúdio de outro artista para concluir o trabalho. Hoje, se pudesse, teria pintado tudo à mão.

Arte como Terapia e Grito de Guerra

Trabalhar com metal, segundo Whelan, nunca foi algo que o perturbasse emocionalmente. Pelo contrário: pintar cenas sombrias, intensas e violentas sempre foi sua válvula de escape para o caos do mundo real.

“Quando me revolto com as notícias ou com o que acontece no mundo, nada me acalma mais do que criar uma capa de metal. Isso me mantém são.”


Hoje, passadas mais de três décadas desde Beneath the Remains, a fusão entre a música de Sepultura e a arte de Michael Whelan ainda ecoa como um grito eterno. Um lembrete de que, às vezes, a escuridão pode gerar beleza — e que certos tiros realmente mudam tudo.

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