Por Sean Reveron | Adaptação para o Brasil: Redação Alternativa
A revista independente/zine ANP Quarterly, uma das mais respeitadas do circuito alternativo dos EUA, lançou uma edição que finalmente joga luz sobre um aspecto quase esquecido da cena hardcore de Los Angeles: as gangues punk dos anos 80. O artigo “L.A. Punk Gangs of the 80s” (As Gangues Punk de Los Angeles nos Anos 80) é um relato raro, direto e pessoal que desconstrói estereótipos e mostra o outro lado de uma cena frequentemente vista apenas como violenta.
Para nós, aqui do Brasil, onde o punk teve outras nuances — ligadas à pobreza extrema, repressão policial e ao caos urbano das periferias de São Paulo, ABC e outras cidades — o relato de Sean Reveron ajuda a entender como o hardcore californiano também floresceu entre exclusões sociais, tensões raciais e identidade de bairro.

Sean começa explicando que fez parte da cena ligada aos Suicidal Boys, grupo fortemente conectado à banda Suicidal Tendencies. A mídia americana, especialmente nos anos 80, pintava esses jovens como meros delinquentes armados com jaquetas e ódio, mas o que ele descreve é uma rede de irmandade, de cumplicidade e sobrevivência em um ambiente hostil — algo que soa familiar para qualquer um que viveu a cena punk brasileira nas franjas da cidade.
A cena como refúgio — e Mar Vista Park como lar
O ponto de encontro era o Mar Vista Park, onde os membros da galera se reuniam antes dos shows. Bebiam, conversavam, se organizavam. Mas o parque era mais do que um simples ponto de apoio: ali rolavam também os campeonatos internos de futebol e softball dos Suicidal. Sim, você leu certo — havia até clube de boliche e de golfe informal entre os punks.
Isso pode soar exótico para o leitor brasileiro, onde o punk geralmente não teve espaço (nem grana) para esse tipo de lazer organizado, mas nos bairros de classe trabalhadora de L.A., a lógica era a mesma: criar uma rede de apoio fora da estrutura tradicional, reinventando a comunidade do seu jeito.
Shows? Sim. Mas as verdadeiras memórias estavam nas festas de garagem
Embora Hollywood fosse o centro das atenções, eram os “kegger parties” (festas com barril de cerveja) nos quintais e garagens que marcavam de verdade a memória da cena. Nessas festas rolavam shows históricos e caseiros com bandas como Suicidal Tendencies, No Mercy, Beowulf, Neighborhood Watch e Chaotic Noise — ícones do crossover e do hardcore da costa oeste.

Sean faz questão de dizer: “A gente não mexia com ninguém, a não ser que mexessem com a gente.” O senso de lealdade era absoluto. Se alguém desrespeitasse a galera, a resposta vinha na hora. Esse código não escrito se assemelha muito ao que se vivia por aqui em rodas punk da periferia ou em festivais clandestinos — onde a proteção vinha da coletividade, e não da polícia ou da sociedade.
Nem tudo era romantismo — e nem todo mundo voltou inteiro
Claro que havia um lado sombrio. Alguns jovens acabaram entrando em gangues reais, envolvimento com crimes, e muitos foram parar na prisão. Mas, para Sean, o punk acabou sendo uma via de escape. Ele cita bandas como Crass — do anarcopunk britânico — que o ajudaram a ver que o punk podia ser mais do que resistência de rua: podia ser pensamento crítico, filosofia, política.
Essa transição é algo que também ocorreu por aqui com vários punks que migraram do caos do D-beat para o ativismo, o veganismo, o anarquismo e outras formas de rebeldia mais estruturada.
Um capítulo esquecido — e agora resgatado
O mais importante é que o artigo da ANP resgata um pedaço essencial da história punk americana que raramente é contado. Para quem está no Brasil e cresceu ouvindo Suicidal Tendencies, Circle Jerks ou Black Flag, entender o contexto de onde essas bandas surgiram — com gangues, conflitos e códigos próprios — é fundamental.
Não se tratava de romantizar a violência, mas de compreender como a marginalização moldou comunidades inteiras, e como o punk foi, ao mesmo tempo, válvula de escape e ponto de apoio.
Para ler o artigo completo (em inglês) acesse o aplicativo ISSU abaixo, confira as páginas 57 a 67 da edição da ANP Quarterly.